A Ciência Psicologia

Arte do ser, psicologia clínica

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Para Bock, A. M. B., Furtado, O., Teixeira, M. L. T. (2001), existe uma condição da vida que pode ser entendida como vida por excelência: é a vida do cotidiano. É no cotidiano que tudo acontece, que as relações se estabelecem, que observamos, percebemos, sentimos, pensamos e agimos sobre a realidade. 

A ciência compõe-se de um conjunto de conhecimento sobre aspectos ou fatos da realidade (objeto de estudo), expresso por meio de uma linguagem objetiva, precisa e rigorosa baseada na relação de teorias e experiências práticas que é divulgada por seus Pesquisadores. Esse conhecimento deve ser obtido de maneira metodológica, programada, sistematizada e controlada, para que se permita a verificação de sua validade. Assim, pode-se apontar o objeto dos diversos ramos da ciência e saber exatamente como determinado conteúdo foi construído, possibilitando a reprodução da experiência. Dessa forma, o saber pode ser verificado, utilizado, desenvolvido e transmitido.

O fascínio pelo entendimento da natureza humana, historicamente, demonstrou ser um tema que despertava interesse e especulações. Foi a Filosofia (estudo da origem e significado da existência humana e suas relações) e a Teologia (estudo crítico da natureza do divino, deuses ou Deus, suas características e sua relação com os homens) que buscaram tecer análises que pudessem contribuir para as diversas formas de Ser e Estar do homem na sua relação com o ambiente que vivia. Neste sentido, se faz necessário recapitularmos a construção histórica – temporal de como se desdobrou esse processo. 

A história da análise sobra a condição humana teve um período inicial de grande relevância que se deu da antiguidade, entre os gregos, particularmente no período de 500 a. C. até a dominação romana, véspera da era cristã. Neste período a Filosofia surge como a primeira tentativa de sistematizar uma Psicologia. Lembrando que o termo Psicologia vem do grego psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Portanto, etimologicamente, Psicologia significa “estudo da alma”. Seguindo neste caminho, a alma ou espírito era concebida como a parte imaterial do ser humano e envolveria os sentimentos, os pensamentos, a irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção.

Os principais filósofos da época Sócrates, Platão e Aristóteles, discutiram temas importantíssimos tais como:

Sócrates (469 – 399 a.C.): sua principal explanação era referente ao limite que distinguia o homem dos animais. Desta forma, afirmava que a principal característica humana era a razão. A razão permitia ao homem sobrepor-se aos instintos, que seriam a base da irracionalidade. Ao definir a razão como peculiaridade do homem ou como essência humana, Sócrates abre um caminho que seria muito explorado pela Psicologia. As teorias da consciência, de certa maneira, derivam dessa primeira sistematização na Filosofia.

Platão (427 – 347 a.C.): que foi discípulo de Sócrates, procurou definir um “lugar” para a razão no corpo humano. Definiu esse lugar como sendo a cabeça, onde se encontrava a alma do homem e a medula seria, portanto, o elemento de ligação da alma com o corpo. Esse elemento de ligação se fazia necessário, pois concebia a alma separada do corpo, levando em consideração que quando alguém morria, a matéria (o corpo) desaparecia, mas a alma ficava livre para ocupar outro corpo.

Aristóteles (384 – 322 a.C.): discípulo de Platão, colaborou dizendo que a alma e corpo não podiam ser dissociados, sendo a psyché o princípio ativo da vida. Desta maneira, vegetais, animais e homens teriam uma alma sensitiva, que assumia a função de percepção e movimento. O homem teria os dois níveis anteriores e mais a alma racional, que tem a função pensante. Aristóteles estudou a diferença entre razão, percepção e sensações. Esse estudo ficou sistematizado no Da Anima, que pode ser considerado, o primeiro tratado da Psicologia.

Continuando com a história, no surgimento do Império Romano que dominou parte da Europa e do Oriente Médio,  trouxe o Cristianismo como força religiosa que passa também a ser uma força política dominante na época e mesmo com as invasões bárbaras, por volta de 400 d.C., que levam à desorganização econômica e destruição de territórios, o cristianismo sobreviveu e até se fortaleceu, tornando-se a religião principal da Idade Média, período que então se iniciava. Neste momento a Igreja Católica também começou estudos sobre o psiquismo, sendo principalmente representados por dois grandes filósofos:

Santo Agostinho (354 – 430 d.C.): guiado por Platão, também fazia uma divisão entre alma e corpo. Entretanto, para ele, a alma não era somente a sede da razão, mas a prova de uma manifestação divina no homem. A alma era imortal por ser o elemento que ligava o homem a Deus, sendo ela também a sede do pensamento.  

São Tomás de Aquino (1225 – 1274): viveu num período que predizia a ruptura da Igreja Católica, com o surgimento do protestantismo e numa época que se preparava a transição para o capitalismo, com a revolução francesa e revolução industrial na Inglaterra. A crise econômica e social deste momento estimulou um entendimento de uma relação mais próxima com Deus, e São Tomás de Aquino foi buscar em Aristóteles a distinção entre essência e existência. Como o filósofo grego, considerava que o homem, na sua essência, buscava a perfeição através de sua existência.

Pouco mais de 200 anos após a morte de São Tomás de Aquino, teve início uma época de transformações radicais na Europa conhecida como Renascimento ou Renascença. O mercantilismo levava à descoberta de novas terras (a América, o caminho para as Índias, a rota do Pacífico), e isso propiciava a acumulação de riquezas pelas nações em formação como França, Itália, Espanha e Inglaterra. Na transição para o capitalismo, começava a emergir uma nova forma de organização econômica e social, iniciando também um processo de valorização do homem.

As transformações ocorreram em todos os setores da produção humana. Por volta de 1300 Dante escreveu A Divina Comédia, entre 1475 e 1478 Leonardo da Vinci pintava Anunciação; em 1484, Botticelli pintava o Nascimento de Vênus; em 1501, Michelangelo esculpia Davi; e, em 1513, Maquiavel escrevia O Príncipe, obra clássica da política.  

As ciências também conheciam um grande avanço. Em 1543, Copérnico causava uma revolução no conhecimento humano mostrando que a terra não era o centro do universo. Em 1610, Galileu estudava a queda dos corpos, realizando as primeiras experiências da Física moderna. Com o avanço na produção de tais conhecimentos também se iniciavam a construção dos primeiros métodos e regras básicas para estruturá-los.    

Neste período, René Descartes (1596 – 1659), um dos filósofos que mais contribuiu para o avanço da ciência, acreditava na separação entre mente (alma, espírito) e corpo, afirmando que o homem possuía uma substância material e uma substância pensante, e que o corpo, desprovido do espírito, era apenas uma máquina. Esse dualismo mente-corpo tornou possível o estudo do corpo humano morto, o que era impensável nos séculos anteriores (o corpo era considerado sagrado pela Igreja por ser a sede da alma), e dessa forma possibilitava o avanço da Anatomia e da Fisiologia, que iria contribuir em muito para o progresso da própria Psicologia.

Por conseguinte, é no século XIX que a ciência se fortalece promovendo soluções práticas e técnicas com o avanço do capitalismo através do processo de industrialização. Neste período ficou para traz o sistema feudal com sua rigidez na hierarquia social, o conhecimento tornou-se independente da fé com os dogmas da igreja sendo questionados, o homem deixou de ser o centro do universo (antropocentrismo), passando a ser livre para fazer suas próprias escolhas e capaz de construir sua condição existencial. Desta forma, a racionalidade e as emoções apareceram como grande possibilidade de desenvolvimento de conhecimento.      

Neste mesmo período Hegel (1770 – 1831) propôs que a História é importante para a compreensão do homem e iniciou discussões também sobre a Fenomenologia e o Existencialismo.  Já Darwin (1809 – 1882) eleva a teoria evolucionista firmando a ideia de que as espécies se modificam gradualmente por meio de um mecanismo chamado de seleção natural como uma explicação para a adaptação e especiação. Darwin definiu a seleção natural como um princípio no qual cada pequena variação genética ou característica, se benéfica, é preservada, sendo que cada variação promovia o processo de adaptação da espécie (Ridley, 2006).

Para Schultz, D. P., Schultz, S. E. (1992), a Psicologia moderna ou científica, que é considerada como ciência natural e humana, vem se desenvolvendo na história desde 1875, quando Wilhelm Wundt (1832 – 1926) criou o primeiro Laboratório de Experimentos em Psicofisiologia, em Leipzig, na Alemanha. Assim, a Psicologia começou a trilhar os caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia, realizando estudos mensuráveis com métodos específicos, passando a ganhar independência enquanto ciência. Contudo, é nos Estados Unidos que surgem as primeiras abordagens ou escolas da Psicologia, as quais são responsáveis pela origem das diversas teorias que existem atualmente. Essas abordagens foram: o Funcionalismos, de William James (1842 – 1910) que buscava de forma teórica a compreensão da consciência e seu funcionamento, na medida que o homem a usava para adaptar-se ao meio, o Estruturalismo, de Edward Titchner (1867 – 1927) também estudava a consciência, mas preocupava-se com seus aspectos estruturais como o funcionamento do sistema nervoso central e a associação das experiências vivenciadas pelo homem, tais estudos passaram por experimentos laboratoriais e o Associacionismo, de Edward Thorndike (1874 – 1949) que formulou uma primeira teoria de aprendizagem na Psicologia ressaltando que a aprendizagem se dava pelo processo de associação de ideias iniciando pelas mais simples às mais complexas e formulou também a Lei do Efeito que embasaria mais adiante a abordagem Comportamental.  

Já no século XX o objeto de estudo da Psicologia se firma como sendo o comportamento humano em suas variadas formas de se expressar e sobre o comportamento pode-se afirmar que:

“(…) é qualquer atividade de um organismo, podendo se manifestar de forma pública ou privada. Os comportamentos públicos são aqueles que podem ser observados ou registrados por qualquer indivíduo, além daquele que está executando o comportamento. Já os comportamentos privados não são potencialmente observáveis por ocorrerem internamente, “dentro da pele” do indivíduo. Os pensamentos e sentimentos são considerados comportamentos privados.” (Martin. G., Pear, J., 2009, p.6).

Neste sentido, as abordagens mais estudadas e que se desenvolveram como formas específicas de analisar e entender o se humano foram: o Behaviorismo (Comportamental), a Gestalt, Psicanálise, Sócio – Histórica e a Centrada na Pessoa.

Por fim, a resolução nº 218/97 do Conselho Nacional de Saúde divulgada pelo Conselho Federal de Psicologia e suas regionais, reconhece os Psicólogos como profissionais da área da saúde, devido o principal objetivo da Psicologia ser a promoção da qualidade de vida emocional do ser humano em sua integridade, considerando aspectos biológicos, emocionais e sociais.

E por falar em emoções, pode se afirmar que a Arte é a expressão do conhecimento traduzida pela emoção e sensibilidade, desta forma, o Psicólogo através de sua sensibilidade ao indivíduo reconhece suas emoções, pensamentos e comportamentos, estabelecendo uma forma criativa e científica de analisar a complexidade existencial da condição humana e como cada Ser se apresenta e se comporta no ambiente que vive e nas relações que ele estabelece.


Referências:

Bock, A. M. B., Furtado, O., Teixeira, M. L. T. (2001). Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo: Saraiva. 

Conselho Federal de Psicologia. Disponível em: https://site.cfp.org.br/.

Conselho Regional de Psicologia – São Paulo – 6ª Região. Disponível: http://www.crpsp.org.br/portal/orientacao/outros-de-int-categoria/fr_cns_218-97.aspx.

Martin. G., Pear, J. (2009). Modificação de comportamento: o que é e como fazer. São Paulo: Roca.

Ridley, M. (2006). Evolução. Porto Alegre: Artmed.

Schultz, D. P., Schultz, S. E. (1992). História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix.


Clàyane Freittas

Clàyane Freittas

CRP: 01/22124

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